quinta-feira, 19 de julho de 2012

SÍRIA, UMA BATALHA GEOPOLÍTICA. O ALVO É O IRÃ.


Escaldados pelo resultado da intervenção da OTAN na Líbia, Rússia e China resolveram endurecer suas posições e dificultar as tentativas dos EUA e demais aliados ocidentais - com uma forte propaganda midiática – de repetir a mesma estratégia na Síria. Desde o mês de fevereiro várias resoluções têm sido apresentadas no Conselho de Segurança e todas rejeitadas, por não obter unanimidade entre seus membros. Rússia e China opuseram-se a todas elas, pois poderiam dar o pretexto para uma invasão à Síria, como ocorreu na Líbia.
Conselho de Segurança da ONU
Como já abordei aqui em outras oportunidades, inclusive na 5ª parte de “Crônica de um mundo em transe” (http://www.gramaticadomundo.com/2012/01/cronica-de-um-mundo-em-transe-5-parte.html), a Síria é a última pedra de dominó, cuja queda irá possibilitar um cerco ao Irã, permitindo aos aliados ocidentais atingirem o território daquele país pelo mediterrâneo. Claro, considerando que o Iraque garantiria passagem para tropas aliadas atingir fronteiras iranianas (o que não é certo). Há que se considerar também o fato que é através desse país que a Rússia consegue monitorar o Mediterrâneo, com a base militar de Tartur, ali instalada, a única da marinha que ele possui fora de seu território.
Tudo isso decorre também das dificuldades de se utilizar o estreito de Ormuz, em função também das seguidas ameaçadas do Irã em fechá-lo, bem como, mesmo que isso não ocorra, pela facilidade de os mísseis iranianos atingirem embarcações que tentarem utilizar aquela rota. Há pouco tempo esse país realizou algumas manobras militares, algumas com mísseis potentes, capazes de atingir Israel e todas as bases militares dos EUA no Oriente Médio, outras no próprio estreito. Somente este ano várias manobras militares foram feitas nessa área estratégica para qualquer conflito ali na região. O objetivo é nitidamente intimidatório, de mandar recados para EUA e Israel, com o intuito de demonstrar sua capacidade em suportar qualquer ataque por aquele istmo. Embora isso não signifique poder de fogo suficiente para conter a ferocidade do império.
Oleodutos tentam reduzir a importância
estratégica do estreito de Ormuz
As notícias de que o governo sírio estaria atacando a população, repetidas infinitas vezes, constroem a mesma verdade, seguindo a lógica goelbesiana, que alterou o perfil de Kadafi, de aliado ocidental, a “um tirano sanguinário assassino de seu próprio povo”. Assim, seu assassinato foi recebido com naturalidade, e merecimento, em função da propaganda insidiosa, insistentemente, que o transformou em um monstro cuja morte tornou-se merecida. É assim que as multidões são preparadas para a aceitação de assassinatos seletivos e agressões aos direitos humanos.
Pode-se ver em fatos escabrosos como atentados a bombas, que tem tirado a vida de centenas de pessoas. As informações são dadas como sendo atos da oposição contra o ditador, quando em outras circunstâncias seria dito como sendo atentados terroristas. Como sempre, terroristas são somente aqueles que praticam violência contra os aliados do império. Da mesma forma, informações não confirmadas, ditas cegamente porque à distância, dão falsas impressões, e muitas vezes tem como fonte informantes ligados aos grupos que se encontram em guerra aberta contra o governo, o que indica claramente uma parcialidade suspeita.
Atentado ao Ministério
da Defesa da Síria
A constatação da parcialidade e manipulação com que as notícias são dadas sobre a guerra na Síria, não implica na defesa do regime de Bachar Al Assad. Mas é um alerta sobre as novas estratégias adotadas pelos EUA, de não intervir diretamente naqueles países cujos governantes não participam de seu círculo de confiança. As ações de agentes para insuflar revoltas, a antiga estratégia de contaminar a economia desses países, a presença dos falcões – assassinos especializados do serviço de inteligência ligado diretamente ao Pentágono – e, a ciberguerra, que inclui desde a contaminação com vírus poderosíssimos, até a sofisticação dos aviões não tripulados, os drones. De forma sutil, mantém-se a velha estratégia de apoiar golpes de estados, o que já foi tentado em vários países do continente americano, dando certo em Honduras e mais recentemente no Paraguai, mas fracassado na Venezuela, na Bolívia e no Equador.
Assim, a mídia prepara a opinião pública para que o destino de Bashar al-Assad seja semelhante ao de Kadafi e ao de Sadam Hussein. Mas esconde o que está por trás da insistência, e seguramente, da ação de agentes infiltrados entre os opositores sírios, em derrubar aquele regime. Depois do objetivo alcançado, as notícias sobre tais países caem no esquecimento, e as destruições causadas por essas medidas deixam de ser manchetes. O resultado da queda da Líbia e da maneira como internamente  tem sido perseguidos antigos aliados de Kadafi, com torturas e assassinatos seletivos, denunciados pela ONG “Médicos Sem Fronteiras”, que decidiu, por isso, abandonar o país, deixou de se tornar notícia. Recentemente, uma eleição faudulenta não foi suficiente para unir o país, nem para forçar dezenas de grupos paramilitares que recusam-se a entregar suas armas e controlam partes do território, esfacelando o que antes era uma nação.
Manifestação de apoio ao governo
Seguindo a mesma estratégia, somente recentemente as informações tomaram o foco pretendido. Há alguns dias a grande mídia passou a dizer que havia uma guerra civil na Síria. Ora, esse conflito já poderia ser considerado guerra civil desde o ano passado (e assim eu afirmei eu meus artigos). A empulhação de acordos que deveriam ser aceitos entre partes não passou de “mis-em-scéne”, pura embromação, a fim de passar para as pessoas desinformadas que assistem esses noticiários de que haveria uma relutância por parte do regime sírio. Ora, o cessar-fogo era puro conto da carochinha. Os rebeldes desde o começo estão sendo armados – e com armas sofisticadas – pelos países ligados à Otan, sob o comando dos EUA. Boa parte deles composta de mercenários, que atuam desde o começo das revoltas e outros são grupos que respondem na síria pela franquia da Al-Quaeda. Além de grupos ligados à irmandade muçulmana, que na Síria adotaram um comportamento diferente do que tiveram no Egito.
Nos últimos dias, sem que se possa haver qualquer comprovação, ou exemplo de que algo já tenha acontecido relacionado ao fato, os meios de comunicação estão noticiando que o governo sírio “irá” utilizar armas químicas, e já cogitam ação de bombardeios da OTAN com o intuito de “destruir essas armas”. Descaradamente repetem a mesma estratégia utilizada para justificar a invasão do Iraque, mesmo se, depois de centenas de milhares de mortes ocasionadas com a invasão daquele país, nada tenha sido provado da existência de “armas de destruição de massas”. Agem como se as pessoas esquecessem facilmente das farsas que se escondem por trás dessas notícias.
Opositores do regime sírio
Tal qual ocorreu em relação ao Iraque, e mais recentemente no caso da Líbia, a mídia cria toda uma preparação, forjando uma opinião pública que seja favorável a uma nova invasão repassando informações, não comprovadas, que são obtidas de fontes não confiáveis, pois são opositores do regime sírio. Mas são nítidas as manipulações das informações.
Isso que reafirmo aqui nesse artigo eu já havia escrito em fevereiro, só estou atualizando. Seguramente muitas ações violentas e repressões brutais estão ocorrendo na Síria há mais de um ano, são fruto não tão somente de manifestações da população, mas da ação de grupos opositores armados no que podemos identificar como uma guerra civil ocorrendo naquele país.
Desta feita, com interesses geopolíticos em jogo, e até em função do radicalismo gerado pelas declarações da secretária de estado Hilary Clinton, por conta de suspeitas de fraude no processo eleitoral, a Rússia se recusa a aprovar resoluções que dê o pretexto para novos ataques da OTAN, como ocorreu na Líbia. E nisso é seguido pela China, demonstrando que nesse tabuleiro de xadrez já é nitidamente conhecida a posição de cada uma das peças que compõe o jogo. Os interesses são enormes, e todos estão ligados á geopolítica do Oriente Médio e tem como objetivo principal atingir o Irã. Aquilo que é manipulado na informação midiática, e pouco entendido pelo público, constitui-se na principal batalha disputada em território sírio, mas também no Conselho de Segurança.
Base russa de Tartur, no Mediterrâneo
imagem do Google
Como a demonstrar as dificuldades que a Rússia criará para impedir a mesma estratégia utilizada na Líbia, dois de seus navios, liderados pelo Porta-aviõesAlmirante Kuznetsov, aportaram em sua base militar no Mediterrâneo, em território Sírio, desde o dia 9 de janeiro deste ano. Essa é a única base que os russos possuem e que lhes dão certo poder de manobra no mar Mediterrâneo e facilita contatos com países do Oriente Médio.
Se de um lado torna-se difícil emplacar qualquer nova Conselho de Segurança que possa abrir caminho para ataques da OTAN, por outro cresce a impaciência de Israel, que passa a ver dificuldades para um possível ataque ocidental ao Irã. Caso não se dê rapidamente a queda do governo Sírio, impossibilitando um cerco seguro ao Irã, a tendência é que Israel resolva atacar o país persa, acreditando que o tempo beneficia os iranianos, dando-lhes condições de aperfeiçoar sua capacidade de lidar com a energia nuclear. O receio de que o país dos Aiatollahs construa artefatos atômicos, já que possui mísseis com capacidade de deslocá-los a centenas de quilômetros, tem muito mais a ver com a hegemonia geopolítica naquela região do que por um possível ato tresloucado de seus dirigentes.
Enfim, é isso que está em jogo. E é absolutamente abominável, embora compreensível, já que as grandes corporações da mídia têm também interesses por trás desse conflito, a forma como as notícias são passadas, repetitivas ad nausean, tentando formar no meio da opinião pública internacional, as justificativas que tornariam aceitáveis mais um ato de agressão militar, que não tem nada a ver com preocupações humanitárias.
Mas é provável que o fim do governo sírio seja o mesmo dos demais países do Oriente Médio que não sobreviveram às revoltas populares e as ações de agentes infiltrados em grupos opositores. Recentemente, em um debate do qual participei, considerei equivocado o título dado a ele: “Porque o governo da Síria não cai?”. Achei que seria melhor utilizar, “Porque o governo da Síria demora a cair?”. Isso porque considero que está em jogo um poder estratégico imprescindível para os interesses do império e dos seus aliados. A Síria, sob o governo de Bashar al-Assad é um empecilho a esses objetivos, por suas relações com o Irã e pelo apoio que sempre deu aos palestinos e aos grupos Hamas e Hebollah. Ademais, talvez seja o regime sírio, a despeito de todas as críticas, o que melhor garante uma certa liberdade às minorias étnicas e religiosas dentre todos os demais da região. E essa constatação não impede de reconhecermos um caráter ditatorial nesse regime, algo não muito diferente de todos os outros países do Oriente Médio.
Oriente Médio, uma região
em permanente disputa
É possível, sim, que o regime de Al-Assad não resista. E isso não se deve somente a uma possível organicidade da oposição, ou de uma rejeição popular ao governo. Mas porque todos os esforços das potências ocidentais têm sido para fortalecer esses opositores. A estratégia dos EUA para essa região, desde que começaram as revoltas árabes, tem sido de se postar ao lado dos revoltosos e municiá-los de armamentos suficientes para derrubar qualquer governo. Muito embora os regimes anteriores fossem seus aliados. Além das ações de agentes espiões com a posterior entrada em ação de aviões não tripulados, seja para ações militares (como assassinatos seletivos) ou para obter informações sigilosas, com aparelhos que não podem ser facilmente detectados por radares. A não ser os mais sofisticados.
Mas, caso se concretize a tomada da Síria pelos rebeldes, com o apoio da OTAN a serviço do império, somente aumentará mais ainda a instabilidade na região, somando-se mais um estado caótico, como decorrência das intervenções que se tornaram hábito neste século. Iraque, Afeganistão, Líbia, Egito, Iêmen, e agora a Síria, deixam de ter governos títeres, mantendo à força regimes de poucas liberdades políticas, e passam a conviver com instabilidades decorrentes de governos fracos que mal conseguem desarmar insurgentes que atuam dominando territórios nas fronteiras desses países.
As condições para uma nova guerra, de proporções incalculáveis seguem sendo criadas. Embora seja difícil prever se isso de fato acontecerá, não resta dúvida que as jogadas políticas caminham nessa direção, e deixam claro que esse é o objetivo das grandes potências ocidentais. A Síria não é o alvo final. Assim como a Líbia foi invadida para se dominar o petróleo daquele país, possibilitando o embargo do petróleo iraniano, a queda do regime sírio tem como objetivo conter o fortalecimento do Irã, cuja capacidade de produzir armas nucleares o tornaria praticamente inatingível no Oriente Médio e o transformaria numa potência regional com condições de controlar a região detentora das maiores reservas de petróleo do mundo.
Disso tudo podemos dizer que as informações repassadas pela grande mídia, não passam de grandes mentiras, versões falsas disparadas a esmo para todo o mundo com o intuito de justificar ataques seletivos e o contrabando milionário de armamentos para grupos rebeldes. Como sempre, a guerra se constitui em um grande negócio, mais ainda nesse momento de profunda crise econômica, com economias estagnadas e desempregos crescentes. O dinheiro sujo, seja de narcotráficos, prostituição e, principalmente, da guerra, tornam-se o meio mais fácil para abastecer mercados falidos pela corrupção na política e nas grandes corporações.
Interesses geopolíticos em jogo -
insightgeopolitico.com
A ânsia desses países em aprovar resoluções que facilite um ataque a Síria não tem nada a ver com defesa de população ou de direitos humanos, a história está aí a comprovar isso. Somente interessa os objetivos estratégicos visando o controle de uma das regiões com maior reserva da matriz energética mais importante do mundo. É o dinheiro, o grande poder e a política que comandam as ações. Então, quem quiser se informar sobre o que acontece nesses conflitos, deve fugir do convencional, desligue-se da informação manipuladora e mentirosa da grande mídia. Em grande parte, essas informações bombásticas sobre tais conflitos tem também o objetivo de desviar as atenções da enorme crise que afeta o capitalismo e que tem levado à falência as economias das maiores potências capitalistas. Uma guerra sempre é motivo para tentar salvar economias falidas. As corporações agem como abutres nas carniças, disputando politicamente a reconstrução de países devastados pelos bombardeios. 

Um comentário:

  1. excelente texto.

    é sempre a mesma historia os mocinhos sempre vem para defender a população indefesa dos sanguinários ditadores. assim como na Guerra do golfo quando o "império" e aliados da época dentre eles Arábia Saudita, Reino Unido, França, Egito e a própria Síria formam a coalizão anti-Hussein e invadiram o Kuwait para retirar as tropas de Saddam que tentava anexar esse território ao Iraque.
    Sobe acusações de estarem produzindo armas químicas, em 1991 o Iraque autorizou a inspeção de suas instalações nucleares que não resultou em nada, e mesmo assim invadiram o país em busca das ditas armas químicas que ate hoje...
    como você mesmo disse "a história está aí a comprovar isso." é sempre a mesma historia.

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