sexta-feira, 5 de maio de 2017

UM TEMPO DE DESESPERANÇA. COMO ENFRENTAR ISSO?

Tenho insistido há algum tempo sobre o quadro político e social que tem nos afetado, e à toda sociedade. Minhas inquietudes ultimamente se concentraram na situação de acomodação da universidade, ambiente que deveria ser, por excelência, o oposto disso. Mas o que vemos na universidade é reflexo do que se passa na sociedade.
Nessa circunstância os arautos do caos despontam por todos os lados, mas carregam consigo uma espécie de maldade, decorrente de uma visão catastrófica do mundo e da realidade em si. Nesse ambiente de crise econômica, política e social, as pessoas ficam fragilizadas, porque, majoritariamente, não conseguem compreender todas as teias que são responsáveis por construir o tecido social no qual cada um de nós está envolvido. Muitos veem sua própria realidade como a dimensão do geral, e não a dimensão do que ocorre no geral influenciando em sua realidade.
Mas essa situação de acomodação não é fácil de ser revertida. Porque a rotina incrustrada no cotidiano de cada um impede que percebam que vivemos nossa vida de forma absolutamente repetitiva. Muitos dos que vivem nessa situação, porque a própria condição de suas atividades exige, não tem essa percepção e julgam estar dando o melhor de si para cumprir o que é exigido. Segue-se também a essa forma de se comportar alguns valores religiosos que lhes movem, pelos quais cada um deve dedicar-se a uma vida cordata, fazendo sua parte, e assim contribuirá positivamente para tornar o mundo melhor.
Essa é uma visão absolutamente individualista e nega peremptoriamente a condição do que seja viver em comunidade. E talvez essa seja uma das principais condições para a acomodação. E que poderíamos, em qualquer circunstância, também chamar de alienação social, pela qual o indivíduo perde a capacidade de perceber que ele, por sua ação, qualquer que seja, mesmo a imobilização, é fundamental para a formação da sociedade e até mesmo para a definição da política. Nessa circunstância ele, o indivíduo, ou ela, a pessoa, passa a aceitar tudo como normal, ou natural ou divino. A sua imobilidade, ou o fazer individual, conforma, e mantém as coisas numa direção retilínea e daí podemos falar de um comportamento conservador, porque passa a ver qualquer mudança como ameaçadora.
É claro que na política, no âmbito de relações democráticas, isso é aproveitado por quem disputa algum cargo ou função, cuja decisão esteja atribuída aos que serão dirigidos. Em situações de crise, como a que vivemos, há sempre uma dúvida atroz entre apostar em algo novo, o que sempre é visto com indisfarçável desconfiança, ou se definir (de forma conservadora), pela manutenção de quem possa representar a continuidade rotineira de sua situação. A acomodação leva ao medo de mudar.
Mas, por outro lado, há também parcelas significativas da sociedade que assumem postura oposta. E sentem-se seduzidas por discursos radicais, em muitos casos vazios de conteúdos que apontem em efetivas mudanças, mas que tocam fundo em revoltas incrustradas, seja por condições pessoais ou até mesmo por decepções políticas. A aceitação de tais discursos aleatoriamente, movida por sentimentos muitas vezes egoístas ou marcado por revanchismos ou mágoas, quase sempre resulta em apostas arriscadas, porque não se considera que tais decisões são podem ser movidas por olhares individualizados, com focos específicos em seus interesses particulares, mas necessariamente deve-se ver como os resultados de tais escolhas representarão positivamente no conjunto da sociedade ou da comunidade.
Ou seja, a manutenção de uma situação de normalidade, pelo medo da mudança, pode resultar na impossibilidade de se verificar erros que são cruciais para corrigir os rumos que tendem a levar às crises. Até porque isso significa, quase sempre, a concentração de mais poder naqueles grupos que se mantém à frente de instituições e do Estado. Isso pode não acontecer se a mudança significar o rompimento com práticas democráticas e o desvirtuamento de ações em prol do bem coletivo. Porque resultante em benefícios que sejam direcionados para a solução de desvios que impedem a justiça social.
A aposta cegamente no discurso sectário, moralista somente no sentido de se aproveitar das circunstâncias da insatisfação com denúncias em curso, e não como uma necessidade de mudança sistêmica nas estruturas que garantem essas práticas, e o objetivo elitista de atender a uma camada mais instruída, detentora da capacidade de formar a opinião pública, tende a resvalar para a intolerância, o preconceito, a xenofobia e a desconfiança com o ouro. Passamos assim a viver em um ambiente de absoluta fragilidade no âmbito das relações sociais. O tecido social rompe-se, o individualismo se acentua, a perda da autoridade se amplia e a violência assume um patamar de difícil controle. Alimentar esse discurso é irresponsável, e pode levar a sociedade ao caos, e a conflitos que destroem as relações e nos empurra por caminhos tortuosos.
Mas, nessa situação, em que a sociedade ou uma comunidade, já esteja submetida a uma situação como a descrita na maior parte desse artigo, que numa situação de crise ou dificuldade também é marcada pela desesperança, ou seja, quando a normalidade já assume ares de patologia, de normose, fazer com que as decisões sejam racionais torna-se bem mais difícil. A insegurança e a desesperança terminam por conduzir as decisões, e a capacidade crítica submete-se aos temores e aos medos condicionados pelo receio da mudança.
Urge sermos persistentes. Essa é uma situação semelhante à de um indivíduo que entra em um processo depressivo crônico. Somente com muita dedicação, insistência, convencimento e busca pela superação, seremos capazes de realizar mudanças que altere os rumos de situação que nos leva em direção ao abismo. E, se vivemos em estruturas democráticas, a não alternância pode ser um dos fatores que nos deixam com a sensação de que nada é possível mudar. Ou, que se mude, mantendo-se os mesmos, para que tudo continue como está.
Apostar na mudança, no novo, na novidade, não necessariamente deve ser uma aposta no desconhecido. Mas acreditando na capacidade de transformações efetivas em direções que nos levem adiante, de forma segura e que nos inspire confiança. Não podemos ficar presos ao passado, submetidos a condições em que vivemos em determinadas conjunturas, na ilusão de que se possam adotar as mesmas práticas em circunstâncias diferentes. Muito menos pode significar retrocessos, em escolhas por algo ou alguma proposta que já tenha sido experimentada no passado e que pode representar retrocesso ou grave anacronismo que pode também exacerbar crises e reduzir as possibilidades de transformações.
Como diz o saudoso Belchior: “No presente a mente, o corpo é diferente. E o passado é uma roupa que não nos serve mais”.

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